terça-feira, 27 de julho de 2010

Pra que eu te tenha de novo!


E já faz certo tempo que não o vejo, não que seja algo doloroso e insuportável.
Apenas é como ter os sentidos abafados, talvez eu só ouça a música e esqueça de notar o quanto os acordes fazem diferença, não ouço mais nosso acorde secreto e já faz algum tempo. Sinto perfume mais é igual a todos os outros, a verdade é que apenas um passou a ser sentido. Os outros sorrisos estão amarelados e sem vida. Não tenho tido mais aquela vontade de ser pega pela cintura e apertada até que ficasse do seu tamanho, pra olhar teus olhos que depois de todo esse tempo não achei outros que me olhassem igual. As escadas por onde eu subo e desço não tem um anjo em carne com rosto forte olhando pro infinito. O escuro da noite não é só o escuro da noite, nele agora ouço ecoar nosso riso. Como se meus pés estivessem presos a terra e como eu queria correr atrás das borboletas, como a criança que fui. O relógio anda correndo demais e é como se eu pudesse sentir a areia das ampulhetas escorrer rápido entre meus dedos, os sinos tocam sem parar ao invés de tocar a cada hora, como pode estar certo? Estou indo embora mais me vejo ficando. E enquanto a maioria dorme eu sinto vontade de sair e te acordar, te pedir um beijo e então voltar pra cama sorrindo, mais ainda não é possível andar sozinha, as noites estão mais escuras que antes. Cada fino detalhe de flor me lembra que dali a pouco ela não será mais bela, estará murcha e sem cor, como eu queria que me guardasse em um livro, afinal só assim as flores não morrem não é? Mais a que preço? Já me perdi nas contas de quantos romances li, de quantos casais felizes eu vi, não faz diferença se você mora em meio a isso ou não, não vão te sintonizar, você não vai dançar na sincronia deles, talvez você tenha de montar sua própria coreografia, eu não quero mais dançar sozinha. O mundo não se molda a nós, talvez se criássemos nosso mundo. Se lembra quando segurava minha mão? Fecho os olhos e ainda a sinto e por mais que o tempo corra eu sei que não vai me soltar, eu não vou soltar nossas lembranças, sacudi-las ao vento pois o vento leva. Talvez eu tenha de esperar até que uma borboleta pouse em mim, bem no meu nariz, pra que eu desperte da sua ausência, pra que eu enxergue de novo suas cores, pra que eu ouça o acorde secreto e saiba que é o nosso, pra que meu anjo volte, e pra que eu sinta seu perfume, pra que seu sorriso me ilumine com uma luz branca que quase cega, pra que eu fique na ponta dos pés pra alcançar seus olhos, que seus olhos me olhem com a mesma doçura de antes, pra que possamos tapar o eco com novos sorrisos, pra que o relógio seja entregue a Deus junto com os sinos e que a areia das ampulhetas sejam devolvidas a praia, pra que eu fique e veja todo o meu coração com você. Pra que você me coloque pra dormir e cante pra mim, e eu não tenha mais vontade de correr atrás de você em meio ao escuro. Pra que eu seja guardada no seu livro, pra que nunca morra. Pra que ao invés de ler, eu escreva nosso próprio romance. Pra que não segure apenas minha mão, mais que me segure toda. Pra que eu te tenha de novo.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Um velho ao sol


Assim, como mais um dia único entres os outros únicos dias, ao caminhar para casa resolvi mudar o caminho, que em distância não mudaria em nada, apenas me acrescentaria novas vistas. Entrando em uma rua de casas antigas, mais ou menos a terceira casa, me deparei com um velho, vestia roupas de sua época, sapatos lustrados com certo zelo e graxa preta, camisa branca bem engomada, parecia estar em um cabide, ao invés de vestir o velho que por sua vez era alto e magro, usava o pouco cabelo branco penteado para trás, vestia um suéter para aquecer-se que certamente teria sido feito a mão. As mãos estavam guardadas no bolso da calça de tecido preto, com tamanho cuidado que não parecia estar guardando apenas as mãos.
A casa não podia ser de outra pessoa, pela janela num rabo de olho pude ver os móveis antigos, que resistiram ao tempo trazendo um pouco do passado ao presente, fotos apagadas de poeira, com rostos e roupas estranhas a nossa época, estavam pendurados na parede verde água com manchas amareladas de tempo, em molduras que pareciam vir de gerações, flores artificiais, vermelho sangue enfeitavam a estante empoeirada. E foi só o que a pequena janela me permitiu ver.
A frente da casa era também velha e antiga como tudo ali, a grade já enferrujada e um jardim de sobrevivência própria, já quase morto, o que me fez pensar que o velho já não tivesse mais sua senhora. Não sei se na garagem ou um alpendre com uma única cadeira de madeira pintada de branco, já bem descascada. Ali o velho se encontrava de pé imóvel, e em cada lado seu como se numa guarda permaneciam dois Scottish Terrier pretos como os sapatos do dono e já velhos e com aparência nobre, bem zelados e com certeza uma ótima companhia, estes não demonstravam nenhuma ou qualquer expressão que pudesse ser lida, bem dizem que os animais sem a seus donos.
O sol das 9 horas aquecia o velho e seus cães naquela manhã de 12ºC e deixava todo o alpendre de cor alaranjada. Talvez as poucas pessoas que por ali passavam atrasadas, só veriam mesmo um velho ao sol, mais pra mim os olhos dele mostraram algo mais, apressei e calei os passos pra não estragar a cena, mais adiante onde não pudesse ser vista parei e fiquei tão imóvel quanto o velho que parecia apenas olhar o nascer do sol. Pensei que o velho na certa não estivesse mais ali, talvez estivesse no passado, perdido nas lembranças e tudo que eu menos queria era trazê-lo de volta então respirei baixinho e continuei fixada nos olhos.
O olhar era saudoso, molhado e quente, não trazia tristezas nem alegrias então deduzi saudades. Como se todo o seu mundo, tempo e costumes, tivessem se perdido no passado e para encontrá-los ele tivesse se perdido na memória. Como se uma avalanche de modernidade tivesse atingido seu mundo e ele só conseguisse se salvar naquela casinha com suas coisinhas.
Talvez ele só estivesse se perguntando sem pressa o que seria, o que se seguiria adiante. Estava ali como quem ficou por último, viu cada um partir e deixar com ele suas histórias, pra que fosse passadas adiante. Como quem ficou por último pra contar a história, tão por último que já não havia mais quem as ouvisse.
Por fim notei que nada ali estava de veras no presente a não ser eu ali parada vendo aquele pouquinho de passado esquecido no presente, onde um velho mergulhado na memória com sua casa que parecia ter sido trazida por uma máquina do tempo, e seus dois cães dóceis de guarda, estavam ali salvos do presente futuro, o qual não pertencia a eles.
Depois de me encontrar ali como uma espiã resolvi deixar aquele cantinho do passado, no passado, mais dessa vez no meu passado, e seguir por fim o meu caminho. E volta e meia faço como fazia o velho, mergulho no meu passado e fico analisando a imagem daquele olhar em minha mente, que mesmo se ficasse ali por horas não saberia ao certo o que pensa o velho e teria a cada segundo uma nova sugestão de pensamento a acrescentar.