sexta-feira, 2 de julho de 2010

Um velho ao sol


Assim, como mais um dia único entres os outros únicos dias, ao caminhar para casa resolvi mudar o caminho, que em distância não mudaria em nada, apenas me acrescentaria novas vistas. Entrando em uma rua de casas antigas, mais ou menos a terceira casa, me deparei com um velho, vestia roupas de sua época, sapatos lustrados com certo zelo e graxa preta, camisa branca bem engomada, parecia estar em um cabide, ao invés de vestir o velho que por sua vez era alto e magro, usava o pouco cabelo branco penteado para trás, vestia um suéter para aquecer-se que certamente teria sido feito a mão. As mãos estavam guardadas no bolso da calça de tecido preto, com tamanho cuidado que não parecia estar guardando apenas as mãos.
A casa não podia ser de outra pessoa, pela janela num rabo de olho pude ver os móveis antigos, que resistiram ao tempo trazendo um pouco do passado ao presente, fotos apagadas de poeira, com rostos e roupas estranhas a nossa época, estavam pendurados na parede verde água com manchas amareladas de tempo, em molduras que pareciam vir de gerações, flores artificiais, vermelho sangue enfeitavam a estante empoeirada. E foi só o que a pequena janela me permitiu ver.
A frente da casa era também velha e antiga como tudo ali, a grade já enferrujada e um jardim de sobrevivência própria, já quase morto, o que me fez pensar que o velho já não tivesse mais sua senhora. Não sei se na garagem ou um alpendre com uma única cadeira de madeira pintada de branco, já bem descascada. Ali o velho se encontrava de pé imóvel, e em cada lado seu como se numa guarda permaneciam dois Scottish Terrier pretos como os sapatos do dono e já velhos e com aparência nobre, bem zelados e com certeza uma ótima companhia, estes não demonstravam nenhuma ou qualquer expressão que pudesse ser lida, bem dizem que os animais sem a seus donos.
O sol das 9 horas aquecia o velho e seus cães naquela manhã de 12ºC e deixava todo o alpendre de cor alaranjada. Talvez as poucas pessoas que por ali passavam atrasadas, só veriam mesmo um velho ao sol, mais pra mim os olhos dele mostraram algo mais, apressei e calei os passos pra não estragar a cena, mais adiante onde não pudesse ser vista parei e fiquei tão imóvel quanto o velho que parecia apenas olhar o nascer do sol. Pensei que o velho na certa não estivesse mais ali, talvez estivesse no passado, perdido nas lembranças e tudo que eu menos queria era trazê-lo de volta então respirei baixinho e continuei fixada nos olhos.
O olhar era saudoso, molhado e quente, não trazia tristezas nem alegrias então deduzi saudades. Como se todo o seu mundo, tempo e costumes, tivessem se perdido no passado e para encontrá-los ele tivesse se perdido na memória. Como se uma avalanche de modernidade tivesse atingido seu mundo e ele só conseguisse se salvar naquela casinha com suas coisinhas.
Talvez ele só estivesse se perguntando sem pressa o que seria, o que se seguiria adiante. Estava ali como quem ficou por último, viu cada um partir e deixar com ele suas histórias, pra que fosse passadas adiante. Como quem ficou por último pra contar a história, tão por último que já não havia mais quem as ouvisse.
Por fim notei que nada ali estava de veras no presente a não ser eu ali parada vendo aquele pouquinho de passado esquecido no presente, onde um velho mergulhado na memória com sua casa que parecia ter sido trazida por uma máquina do tempo, e seus dois cães dóceis de guarda, estavam ali salvos do presente futuro, o qual não pertencia a eles.
Depois de me encontrar ali como uma espiã resolvi deixar aquele cantinho do passado, no passado, mais dessa vez no meu passado, e seguir por fim o meu caminho. E volta e meia faço como fazia o velho, mergulho no meu passado e fico analisando a imagem daquele olhar em minha mente, que mesmo se ficasse ali por horas não saberia ao certo o que pensa o velho e teria a cada segundo uma nova sugestão de pensamento a acrescentar.

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